quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Humberto Werneck por Fabio Coutinho

ESSE INFERNO VAI ACABAR



Humberto Werneck



Fabio de Sousa Coutinho

A crônica é um gênero literário que, desde Machado de Assis, sempre foi bem tratado na literatura brasileira. Pelo menos se levarmos em conta a alta qualidade dos escritores que a ela se dedicaram entre nós.

Além do imenso autor já citado, que foi cronista em paralelo a uma inigualável carreira de contista e romancista, construída na segunda metade do século XIX, o Brasil ostenta uma respeitável galeria de cronistas no século XX, com destaque maior para o capixaba Rubem Braga.

O "velho Braga" escreveu uma crônica diária ao longo de várias décadas, produzindo autênticas pérolas literárias, verdadeiros poemas em prosa, alguns deles tão arrebatadores que chegaram a se popularizar, passando a fazer parte do imaginário coletivo, como é o caso das impagáveis AULA DE INGLÊS, UM PÉ DE MILHO, O CONDE E O PASSARINHO e VIÚVA NA PRAIA.

Grandes cronistas do século passado foram, também, Lima Barreto, João do Rio, Humberto de Campos, Marques Rebelo, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Clarice Lispector, Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), Rachel de Queiroz, Otto Lara Rezende, Fernando Sabino, José Carlos (Carlinhos) Oliveira, todos igualmente consagrados em outros gêneros nobres da Literatura.

Na sucessão de tantos mestres, apareceram muitos craques, a começar pelo gaúcho Luis Fernando Veríssimo e pelo mineiro Humberto Werneck. Este acaba de lançar mais uma seleção de suas saborosas crônicas, reunidas no volume intitulado, a exemplo de uma delas, ESSE INFERNO VAI ACABAR. Nele, o cronista emerge para perenizar, com a força do humor, da emoção e do lirismo, situações vividas em diversas etapas da própria existência, além de lançar um olhar atento e curioso sobre a comédia e a tragédia do quotidiano, tornando-o menos áspero e mais humano.

Humberto Werneck, há muito dedicado ao ofício de cronista, é, também, o luminoso biógrafo do célebre Jayme Ovalle, impecavelmente (sem trocadilho) retratado em O SANTO SUJO. Cuida-se, a rigor, de uma extensa crônica de escrita superior, relato irretocável da vida de um poeta sem obra de poesia, de um compositor de pouquíssimas canções, mas uma figura carismática que despertava a veneração incontida de Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes e de mais uma penca de gente do primeiro time das letras nacionais.

No prefácio que escreveu para a coletânea de crônicas BOA COMPANHIA, de 2005, Humberto Werneck lembrou tratar-se de "um gênero tipicamente brasileiro". Já Rubem Braga, com seu agridoce bom humor, respondeu certa vez a alguém que lhe pedira uma definição do gênero: "Quando não é aguda, é crônica." O novo livro de Werneck é uma síntese perfeita das duas poderosas definições, mais um monumento de sua rara competência literária, uma delicada e bem humorada homenagem ao eterno prazer de ler.



FABIO DE SOUSA COUTINHO, advogado e bibliófilo, é membro titular da Academia de Letras do Brasil (ALB) e do PEN Clube do Brasil.

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