quinta-feira, 24 de março de 2011

Prêmio Jabuti ganha mais categorias

A 53ª edição do Prêmio Jabuti não terá mais concorrentes a segundo e terceiro lugar nas categorias contempladas. Além disso, passam de 21 para 29 o número de categorias a serem premiadas. As mudanças — as maiores já feitas desde a criação do prêmio em 1959 — foram anunciadas pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) como forma de aumentar o prestígio do prêmio e atender a reivindicações do mercado.
No ano passado, uma polêmica rondou a premiação e tirou o brilho da festa de entrega. Além dos melhores nas categorias, o Jabuti escolhe também o Livro do Ano, prêmio mais cobiçado por conta de seu valor em dinheiro. Enquanto os primeiros lugares de cada categoria ganham R$ 3 mil, o vencedor do Livro do Ano fica com R$ 30 mil. Mas a estrutura apresentava distorções que fizeram editores trocar farpas em público. Em 2010, o vencedor em Literatura de Ficção foi Se eu fechar os olhos agora (Record), de Edney Silvestre, e Chico Buarque com seu Leite derramado (Companhia das Letras), ficaram em segundo lugar.
No entanto, Chico levou o prêmio Livro do Ano. Sérgio Machado, presidente da Record, e Luiz Schwarcz, diretor da Companhia, se desentenderam e sugeriram mudanças no regulamento do Jabuti. O excesso de categorias — 21 na época — e a possibilidade de conceder ao segundo lugar o prêmio mais importante eram as maiores críticas. “Com as mudanças a gente deixa de premiar 60 ganhadores e passa a premiar 29, isso deixa o prêmio com mais prestígio. E acabamos com essa dúvida quanto ao segundo lugar virar o Livro do Ano”, acredita Karine Pansa, presidente da CBL. “O aumento das categorias foi feito com o objetivo de cobrir todos os segmentos. O mercado está crescendo.”
Para Sérgio Machado, da Record, o novo regulamento resolve a ambiguidade do prêmio. “Meu protesto deu o efeito desejado”, diz. “O prêmio tinha um erro de concepção que era o segundo lugar ganhar. Para mim o que interessava foi corrigido.” José Rezende Jr., autor de Eu perguntei ao velho se ele queria morrer, eleito melhor na categoria contos no ano passado, encara as polêmicas como lamentáveis. Para ele, as discussões em torno do regulamento ofuscaram o prêmio. “Eles (a CBL) mudaram em função da polêmica. Eu, pessoalmente, não me senti prejudicado pelo que aconteceu. O Jabuti é um selo de qualidade, não sei por que o valor é tão baixo, se comparado com outros prêmios, mas considero um carimbo bacana para meu trabalho.”
Já Ronaldo Costa Fernandes, que em 1998 foi finalista do Jabuti e em 2010 ganhou o prêmio de Melhor Livro de Poesia da Academia Brasileira de Letras (ABL), com A máquina das mãos, gostou das mudanças, mas ainda vê problemas na regulamentação da CBL. “O Jabuti não pode pulverizar tanto. À medida que você horizontaliza e cria mais categorias, você desprestigia as outras categorias. Daqui a pouco vai ter prêmio para gráfica e livro-simpatia”, avalia.



Por Nahima Maciel, do Correio Braziliense

quarta-feira, 23 de março de 2011

Também as ondas, conto de José Ewerton Neto


Como se houvesse algo entre elas que precisasse ser removido. Como se houvesse algo entre os três: ela, a mulher que contemplava o mar e o mar. Como se o nada existente entre duas pessoas fosse uma película e como se, solidificado há muito tempo e programado para romper neste lugar, estivesse esperando para ser arrancado. No entanto, aguardou por mais longos dez minutos, enquanto a observava.
Eles vieram. Depois do que aconteceu passaram a vir até aquele cais, curiosos, atentos, e felizes, de uma felicidade mórbida. Às vezes, paravam e ficavam contemplando o mar como aquela fazia. O mar se acercava do cais como uma fera no zoológico batendo a cabeça contra as grades, que eram o muro do cais. Depois, sua baba ia mais além, e elas, as ondas, se esgueiravam até o coração das pessoas para que estas se encharcassem com aquele sentimento de desamparo diante dele. Olhavam, apontavam, levavam as mãos à cabeça, faziam uma expressão que se aproximava do pavor, enquanto se chegavam perigosamente até a beira do cais sem proteção. Agiam como o toureiro que atiça o touro sabendo previamente da vitória anunciada para, logo em seguida, sorrir. O pavor era afastado como uma bola de ferro que estivesse presa no pescoço, mas, agora, se afundava nas ondas. Então sorriam porque estavam vivas e, por causa desse prazer que sobrevive ao drama extinto dos outros, sentiam-se como se jamais fossem morrer. Às vezes eram rapazes, crianças, outras vezes casais de namorados falando as mesmas coisas: “Para com isso! Você já foi longe demais. Não brinque!” Havia, por vezes, um curto espasmo de excitante medo, apenas para que, logo depois, se beijassem sorridentes. Uma vez, uma garota gritou com um súbito ataque de nervos, quase real: “Não, se quiser, beije-me aqui, fora do carro. Dentro do carro não, de jeito nenhum. Deus me livre!”
Mas esses “curiosos” jamais vinham solitários, como aquela mulher. Deixavam os carros preventivamente no meio do cais, sem chances de se locomover através do declive fatal do solo – um desnivelamento imperceptível a olho nu. “Tem mesmo certeza de que o freio de mão está puxado?”, “Fique firme, não vacile. Já pensou se essa porra começa a andar?” Irene ouvia aquelas vozes entrecortadas de previdência afetada que afloravam uma ironia malsã. Eram frases sobre o que acontecera e Irene chegava a sentir um pouco de inveja deles, porque eles podiam simplesmente se divertir com o pavor agora inexistente, como se assistissem a um filme, em que a memória inventada trabalhava ao gosto de cada um para tornar a tragédia que aconteceu mais ou menos excitante. Irene tinha essa inveja por saber que nas vezes em que ainda voltaria (e ela já sabia que não seriam muitas) não agiria assim, como esses ávidos querendo extrair um espetáculo do que se passou.
Uma vez alguém chegou a lhe perguntar como se ela convivesse cotidianamente com as coisas que aconteciam naquele cais: “E então? É verdade que a prefeitura vai mandar colocar, finalmente uma balaustrada de proteção ali?” De fato, ela realmente vira dias atrás esse tipo de azáfama - tão peculiar aos órgãos públicos -. Um homem de camisa manga longa parecido com os habituais tecnocratas da administração pública, barriga proeminente, língua para fora, sapato bico fino, rodeado por alguns peões fardados, com o uniforme da Prefeitura. Chegaram, mediram com trenas, mas, quatro dias depois, sequer tinham interditado o trecho apesar do que acontecera. O que estavam esperando? Que acontecesse de novo? Na ocasião respondeu: “Não sei.”
Nunca tivera vontade de falar com alguém dessa gente, cuja motivação – tinha certeza – era diferente da sua. A deles tinha tons ao mesmo tempo de escárnio e alegria. Ao contemplarem o mar, era como se contemplassem suas ondas como se estas fossem mãos de um monstro, mas não tinham , nem de leve, a percepção de um mistério profundo como o do mar implacável, sugando as fragilidades humanas. “Olha como elas estão hoje!” “É muito fundo?” “Claro, experimenta te atirar daí.”
Mas, agora, em relação àquela mulher que fitava as ondas de tão perto, assim como ela mesma algumas vezes fizera, sua sensação era diferente. A mulher perdurava há mais de dez minutos a contemplação do mar não como se este fosse uma fera, mas uma doença. Não, Irene não teve medo de que ela estivesse prestes a se jogar, bastava contempla-la dois segundos para saber que era uma mulher compactada em si mesmo, o suficiente para não jogar-se. Estátuas não se jogam. Mas, aquele nada que as separava, e que cada vez mais se transformava numa solidão palpável de cores e sentimentos, só ela tinha o poder de arrancar, já que a outra não a via e Irene apenas fazia parte de todo esse ambiente ao redor do oceano que tragava todas as coisas e lhe era indiferente.
Ou não? Será que esse imenso algo a ser removido tinha sido percebido pela outra? Ou será que essa empatia entre seres seduzidos pela tragédia, que torna cada um mais íntimo da morte que a gente quer que tenha sido a dos outros, mas, no fundo, é a nossa - porque só existe uma morte, única, universal - gritava? Pois alguém gritou:
- Ei!
Esperou. Olhou para trás para ver se não chamava por outra pessoa. - Você trabalha no bar, não?
Por que achou que trabalhasse no bar? Um pequeno bar, infecto, que nem merecia ser chamado assim e estava muito mais para botequim? Irene se incomodou com isso, sempre se incomodava quando a confundiam com alguém. Olhou-a, aborrecida, enquanto ela se aproximava e percebeu que agia como alguém que estivesse se afogando com aquele intenso contemplar de ondas e escutar alguém fosse uma bóia salvadora.
- Você podia me dar uma dose bem forte?
- De quê?
- De qualquer coisa quente.
- Não trabalho no bar, infelizmente.
Era uma mulher de uns trinta e cinco anos. Talvez em algum momento da juventude tivesse sido bonita, algo um pouco além da beleza da juventude, accessível a todas. Mas, agora era como todas as mulheres com seus melhores anos consumidos por homens e filhos. Uma mulher que, pelo hálito e pelos gestos, deduziu que bebera antes de ter vindo. Pediu uma cadeira e sentou-se. Optou pela cerveja ao invés da cachaça que provavelmente tomara antes, a julgar pelo conteúdo do copo, que devolvera ao garçom. Parecia não se incomodar com o que pudessem dizer dela, estática, em cima da cadeira, olhando para o mar e tomando cerveja, como uma das prostitutas que, no final da tarde, vinham até o boteco se oferecer aos peões e barqueiros.
- Ei!- gritou.
Levantou-se da cadeira segurando o copo de cerveja.
- Não quer tomar um copo de cerveja comigo?
Ah, agora sim, revelava-se. Nada de mar, nada de dor, nada de trágico. Apenas uma mulher, talvez uma lésbica. Por que respondeu sim?
- É... Só um copo.
- Você vem sempre aqui?
- Às vezes.
- Igual esse povo, depois do que aconteceu. Até quando eles virão?
Irene não respondeu. A mulher a assumia como apenas mais uma bisbilhoteira. Poderia desfazer essa impressão incômoda dizendo-lhe que fora amiga da moça que morrera, mas por que precisaria justificar-se? Por que lhe explicar que vinha por uma razão desconhecida, já que nem mesmo o motivo de que queria escrever algo sobre aquilo lhe parecia razoável? Se nem mesmo ela sabia exatamente porque vinha...
- Não. É a primeira vez que venho, e nem foi por causa disso – mentiu.
- Mas soube do que aconteceu, claro.
- Soube sim.
- Deve ter sido terrível.
- Muito.
A mulher pediu mais uma cerveja e voltou a contemplar o mar.
- O que você é?
- Sou jornalista.
- Ah, entendo, pretende escrever sobre isso? Fazer uma reportagem, reclamar porque não tomaram uma providência antes?
Ela olhou em direção à beira do cais e falou antes mesmo que
respondesse.
- Bastava um batente de ferro, não é? Agora é tarde.
- Talvez escrever sim...
Essa era a sua intenção, mas a coisa não era tão simples. Já tinha rabiscado uma ou duas páginas, em vão. Gostaria sim, de compartilhar o que sentira com leitores ou quaisquer outras pessoas, mas, definitivamente, não era uma boa escritora, uma boa jornalista. Até para falar seus sentimentos, sentia que as palavras pouco traduziam do que sentia. Podia dizer-lhe, sem faltar totalmente com a verdade, coisas como: “O choque foi grande para mim, eu a conhecia, brincamos juntas quando criança”, mas isso lhe parecia falso e insuficiente.
- Você é desta cidade?
- Sim.
- Então deve saber mais ou menos como foi.
Irene entendeu o que ela queria dizer. Das circunstâncias em torno, o sórdido das indagações sobrevoando os cadáveres, uma semana depois, como aves de rapina. Daquilo que, no fundo, fazia as pessoas virem ao local. Não as mortes, simplesmente.
- É.
- Você os conhecia?
- A ela, sim. Quanto a ele talvez o já o tivesse visto. Aqui todo mundo conhece todo mundo. Meus pais são daqui, mas venho pouco, só em fim de semana. Estudo na capital.
- Era um homem casado.
- Disseram-me. Tenho certeza de que o vi uma vez.
- Muito mais velho que ela. Eram amantes.
- É... todos dizem isso, embora ninguém soubesse antes.
- Acho que eram vizinhos.
De repente, Irene foi assaltada por um sentimento de culpa estranho, como se fosse cúmplice.
- E a esposa do homem?- a mulher perguntou, bruscamente.
- Não conheço, só sei que, como você disse, morava perto da vítima.
- Da vítima, que vítima?
- A garota que morreu.
- Ah, sim, a amante novinha! Por que vítima? Você acha que ela foi vítima mesmo, a putinha? Você a conhecia?
- Sim. – Irene não quis dizer que ela fora sua colega de escola.
- Era bonita, não é?
- Era sim. – Irene teve o impulso de acrescentar. “Coitada! Agora nem adianta”, mas ao invés disso, indagou:
- E a senhora, também a conhecia?
- Muito bem!
A mulher mordeu os lábios, suspirou e olhou para o mar. Tomou um copo de cerveja. Irene teve a sensação de que ela nunca mais pararia de beber; que não era estava em sua boca a capacidade de beber o líquido, mas nos olhos, e que eles não se saciariam jamais, nem se entornassem o oceano profundo.
- Devem ter sofrido muito, não? –ela perguntou.
- É, deve ter sido terrível.
Ao pronunciar estas palavras Irene percebeu que elas, mais uma vez não traduziam o que sentia. Lembrou-se de como imaginara a tragédia. Não se torturara com o sofrimento em si, mas com o impacto, com a surpresa trágica: o de repente daquele carro, primeiro deslizando sem que nenhum dos dois percebesse e depois subitamente despencando, numa pirueta em direção ao mar. Talvez não tivessem sofrido tanto, mas o horror, o horror, o horror!
- O que você acha que, de fato, aconteceu?
- Como assim?
- Tem gente que fala que eles estavam transando na hora em que o carro deslizou.
Irene calou.
- Vamos fale. O que você acha? Você acha que foi assim que aconteceu?
Irene recordou de que, segundo o que lera num jornal e ouvira, os corpos foram encontrados, abraçados, nus, dentro do carro. Mas aquilo era muito estranho e improvável, só podia ser coisa de jornal sensacionalista, embora a imagem definitiva que lhe ficara fosse justamente essa. Teve o pudor de falar disso nesse momento como se estivesse cometendo um pecado ao imaginar dessa forma. Mas a mulher insistia, cada pergunta como um parafuso entrando numa porca. De repente, ela deu uma estrepitosa gargalhada.
- Que ridículo, não é? Será que estavam mesmo trepando?
- Ninguém pode saber. – Falou Irene num impulso, apenas para ter algo a dizer.
- Disseram também que esqueceram o freio de mão desligado.
- Foi isso, certamente.
Agora sim, Irene teve prazer em dizer isso: palavras, uma a uma tomando pé agora, como se estivessem, finalmente, em terreno seguro.
- Podiam, no entanto, estar se beijando, simplesmente, trocando juras de amor, talvez não estivessem ainda transando. De repente o carro começa a descer e ninguém dá por isso. Ou...
Irene notou que ela mudara o tempo da ação e falava no presente. Achou tragicômico lembrar do termo preliminares, para socorre-la em seu devaneio.
- Estavam nas preliminares. – a mulher completou antes dela. O melhor viria depois, não é?
Depois, sorveu mais um copo inteiro enquanto parecia refletir.
- Mas, podiam estar discutindo, quem garante?
- Não! Dizem que seus corpos foram encontrados nus. Abraçados.
Por que Irene deixara escapar isso agora? A mulher olhou em sua direção, pela primeira vez sem fita-la e Irene percebeu seus olhos como dois faróis vazados, atravessados de água, ao invés de luz.
- Entendo, como todo mundo imagina, estavam então saindo das preliminares do amor...
Num gesto teatral ela ergueu-se. Ao redor, as cores do crepúsculo iniciavam a confusão de seres com sombras: começava a escurecer. Irene permaneceu sentada e, ao ver aquela mulher gesticulando, era como se todas as sombras do crepúsculo, inclusive ela, estivessem exercitando uma coreografia macabra diante do mar.
- Amando-se. Você sabe como é não garota? Ela em cima dele e ele enfiando aquele pau imenso, devia estava um gozo tão grande, tão perfeito que não sentiram o carro se movimentando... Claro que era impossível perceber qualquer coisa além do prazer. Não! Claro que não!
O não, subitamente gritado, assumiu o som do guinchar de uma ave marítima em vôo falho, imitado por uma principiante de arte cênica. Irene esforçou-se por acreditar que ali estava uma mulher que deveria ser alguém do teatro, alguém a fim de encenar às suas custas, tomando-a como platéia. Gritara tão alto que o som não poderia deixar de ser percebido pelos peões adiante, no bar, que se viraram para olhá-la, mas ela não parecia incomodada com isso. Como podia saber das dimensões do órgão sexual do homem? Irene atentou, com compulsão vergonhosa, que involuntariamente estava participando de uma encenação, que a comprimia. Arrependeu-se por ter se permitido isso, e encarou aquele diálogo como uma punição.
- Passaram do céu para o inferno num instante. Você já gozou, garota? Sabe como é isso? Vá lá, seja sincera... Como é seu nome? Irene? Pois é, Irene, eu nunca gozei, não tenho vergonha de dizer, mas vamos e venhamos, é bom não é? Também, pudera, transando com quem se gosta o quase bom já é bom, não é? Não é mesmo muito gostoso quando se vê um homem despencando de prazer em cima da gente? Dá pra imaginar então como foi, não é garota, os dois cavoucando como se estivessem no céu e, de repente, o abismo, a queda no mar, a solidão profunda. Êta, gozo da porra, tão bom e tão cruel! Não é isso o que os homens dizem? O orgasmo não é o gozo da morte? Vamos lá, o que você acha mesmo garota, eles chegaram a gozar?
De repente, todo excesso de gestos desprendeu-se do corpo como pedaços de esqueletos desamparados e flutuaram no ar enquanto ela desabava até a cadeira. Chegara, certamente, ao limite de sua representação e agora, desmanchava-se em soluços.
Sem saber como agir diante daquilo Irene só queria se livrar para sempre do asco que a acometeu ao perceber, cada vez mais, a fragilidade daquela mulher como uma coisa íntima. As lágrimas começaram a descer pelos seus olhos e Irene tentou não compreender que vasta extensão de mar era aquela que levava e trazia tanto desespero. Fechou os olhos para jamais entender.
- O que você acha, garota? Será que ele se lembrou da esposa enquanto estava caindo? Dos filhos? De sua família? Eu tenho certeza que sim.
Quem podia ter certeza de alguma coisa ali? O que lhe dava tanta segurança? Irene não queria ter compaixão, nem demonstrar isso, mas a mulher facilitou-lhe o serviço. Resoluta e enxugando as lágrimas com força seguiu em direção ao cais como se procurasse um nome, um nome da esposa, um nome entre as vagas.
Olhou mais uma vez em direção ao mar, cuspiu, voltou rápida em direção ao posto de táxi sem sequer olhar para Irene e reconstruiu, sem esforço desta vez, de uma vez para sempre a película irremovível entre duas pessoas que jamais se viram ou tocaram. Perdeu-se na escuridão e assim como as lágrimas secaram em sua face, as ondas do mar também se acalmaram no crepúsculo mais profundo de cada uma.



José Ewerton Neto é escritor, poeta e escreve para o jornal O Estado do Maranhão. Este conto participou do livro que recolheu os dez melhores textos do concurso Luís Vilela-2010.




imagens retiradas da internet

terça-feira, 22 de março de 2011

Prêmio Alfaguara de romance

Madrid, 21 mar (Lusa) -- O escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez venceu hoje, com a obra "El Ruido de las Cosas al Caer", o Prémio Alfaguara de Romance 2011, um dos mais prestigiados galardões de língua espanhola.


No valor de 123 mil euros, o prémio, atribuído por unanimidade, foi hoje anunciado pelo presidente do júri, o romancista espanhol Bernardo Atxaga, num encontro com escritores e jornalistas que se realizou num hotel de Madrid.
"El Ruido de las Cosas al Caer" é "um negro balanço de uma época de terror e violência, numa Bogotá descrita como um território literário cheio de significações", justificou o júri, constituído por Gustavo Guerrero, Lola Larumbe, Candela Peña, Inma Turbau e Juan González.
O romance de Vásquez -- que se candidatou sob o pseudónimo Raúl K. Fen -- começa com a fuga e posterior caça de um hipopótamo que fazia parte do impossível jardim zoológico com que o narcotraficante colombiano Pablo Escobar exibia o seu poder. É essa a alavanca que põe em movimento os mecanismos da memória de Antonio Yammara, o protagonista da história.
O júri destacou as qualidades estilísticas do romance premiado, "cuja prosa recria uma atmosfera original e atrativa, um espaço próprio, habitado por personagens que acompanharão por muito tempo o leitor".
Ambientada na Colômbia contemporânea, "a trama narra a viagem de um homem que busca no passado uma explicação da sua situação e da do seu país. Uma leitura comovente sobre o amor e a superação do medo", lê-se na ata do júri.
Atxaga comentou que, há 2.000 anos, o poeta Virgílio dizia que o medo desapareceria algum dia da face da terra, mas não foi assim. O romance premiado trata desses medos, neste caso, dos colombianos, das suas consequências e da tentativa de superá-los.
A residir há 12 anos em Barcelona, Vásquez (Bogotá, 1973) é considerado um dos escritores latino-americanos mais importantes com menos de 40 anos.
É autor de romances como "Persona", "Alina Suplicante" e "Los Informantes" e do livro de contos "Los Amantes de Todos los Santos", entre outros títulos.
O seu romance "Los Informantes" foi eleito na Colômbia um dos mais importantes dos últimos 25 anos e foi finalista do Independent Foreign Fiction Prize do Reino Unido.
Outra das suas obras, "Historia Secreta de Costaguana", uma reflexão sobre a dor, obteve o prémio Qwerty para o melhor romance em língua espanhola e o prémio Fundación Libros & Letras de Colombia.
ANC.