sábado, 23 de abril de 2011

Cronista Manuel Bandeira, por Fabio Coutinho



Neste abril de 2011, caso ainda estivesse fisicamente entre nós (bom demais para ser real!), Manuel Bandeira estaria completando 125 anos, um século e um quarto de vida. Nascido no Recife, na Rua da Ventura, hoje Joaquim Nabuco, o grande bardo está de há muito consagrado como um de nossos três maiores poetas do século XX, ao lado de Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.
Na comemoração a que me propus, contudo, Manuel Bandeira será celebrado em outro gênero literário, no qual sua pena se manifestou, por igual, de modo tão rico e vigoroso. Refiro-me ao Bandeira cronista, ao autor das insuperáveis Crônicas da província do Brasil, publicadas, de início, nos jornais "A Província", do Recife, "Diário Nacional", de São Paulo, e "O Jornal", do Rio de Janeiro, e reunidas em livro, pela primeira vez, em 1936, numa bela edição da Civilização Brasileira, como parte dos festejos pelo cinquentenário de Manuel Bandeira.
Ele escreveu, ainda, entre 1961 e 1963, crônicas semanais para o programa Quadrante, da Rádio Ministério da Educação, algumas publicadas depois no volume do mesmo nome, com o selo da Editora do Autor. Mas foi nas Crônicas da província do Brasil que Bandeira produziu algumas das páginas que o tornaram, sem sombra de dúvida, um dos principais cronistas brasileiros de todos os tempos.
Na crônica intitulada "Bahia", Manuel Bandeira revela, em termos irretocáveis, incontida admiração por Salvador:

“Nunca vi cidade tão caracteristicamente brasileira como a ‘boa terra’. Boa terra! É isso mesmo. A gente mal pisou na Cidade Baixa e já se sente tão em casa como se ali fosse a grande sala de jantar do Brasil, recesso de intimidade familiar de solar antigo com jacarandás pesados e nobres.
Ali a gente se sente mais brasileiro. (...)”

Em outra crônica preciosa, sob o título de "Um grande artista pernambucano", Bandeira louva sua cidade natal, como de resto já o fizera nos versos inesquecíveis de "Evocação do Recife" (poema do livro Libertinagem):

“O encanto do Recife não aparece à primeira vista. O Recife não é uma cidade oferecida e só se entrega depois de longa intimidade.
Se não fosse muito esquisito comparar cidades com mulheres, eu diria que o Recife tem o físico, a psicologia, a graça arisca e seca, reservada e difícil de certas mulheres magras, morenas e tímidas. Porque, não repararam que há cidades que são o contrário disso? Cidades gordas, namoradeiras, gozadonas? O Rio, por exemplo, Belém do Pará, São Luís do Maranhão são cidades gordas. A Bahia é gordíssima. São Paulo é enxuta. Mas Fortaleza e o Recife são magras. (...)”

Os exemplos são extensos, mas curto o espaço. Não dá, porém, para deixar de fora, nesta seleta de júbilo e admiração, "Os que marcam rendez-vouz com a morte". Nessa crônica, Bandeira fala da “indesejada das gentes”, recordando marcante passagem de sua infância recifense:

Recife antigo à noite
“(...) Quando eu era menino, conheci de vista uma moça cuja beleza a fazia muito falada. Nem era propriamente beleza o que cativava nela, mas uma seiva de mocidade, de bom sangue, de alegria de cores saudáveis. Tenho esquecido muito nome na vida, mas o ‘dela’ não esqueci nunca: Alice Monteiro.(...)
Alice Monteiro morreu no mesmo ano em que a conheci. Foi a primeira vez que a morte me perturbou profundamente. Antes disso ela andava em meu espírito associada sempre à ideia de decadência física. Eu não podia conceber que uma moça bonita e cheia de vida pudesse morrer assim tão depressa! (...)”

Bandeira no quarto do apt. do Castelo, Rio

Passados mais de quarenta e dois anos de sua morte, ocorrida no Rio, em 13 de outubro de 1968, aos 82 anos de idade, parece que Manuel Bandeira também nos deixou “assim tão depressa”, mas sempre consolados pela leitura e releitura de uma obra arrebatadora de poeta e cronista brasileiro.

Fabio de Sousa Coutinho é advogado e bibliófilo, membro titular do PEN Clube do Brasil.

imagens retiradas da internet: manuel bandeira