sábado, 19 de setembro de 2015

Otto Lara Resende por Fábio Coutinho





Em noite de estrepitosa confraternização etílica entre as mesas do Antonio's, no Leblon dos anos de 1970, alguém se aproxima do ouvido de um dos mais exaltados convivas e cochicha: Otto, você está falando alto demais, se houver informante da repressão por aí, você se ferra. Num rompante que misturou sofisticado bom humor e uma calculada dose (sem trocadilho) de ousadia, Otto Lara Resende subiu na cadeira e proclamou, alto e bom som: Digo e repito para quem quiser ouvir: a ditadura militar é o maior atraso do Brasil, tem de acabar e vai cair. Se algum dedo-duro estiver presente, pode anotar: meu nome é Fernando Sabino!

Sabino formava, com Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos, o trio de amigos inseparáveis de Otto, os quatro cavaleiros do apocalipse mineiro, todos saídos de Belo Horizonte na década de 1940 e radicados no Rio, desde então. Mas Otto teve dezenas, talvez centenas, de outros amigos, quase todos fascinados pela conversa a um tempo solta, divertida e invariavelmente culta e bem informada do grande "causeur". Nelson Rodrigues, um desses admiradores, chegou a agregar um apêndice ao título de uma de suas peças mais célebres: "Bonitinha mas ordinária, ou Otto Lara Resende".

Jornalista, funcionário público, diretor de banco e da revista Manchete, romancista de concisão machadiana e força dostoievskiana, como fica patente no poderoso e estranho O BRAÇO DIREITO, Otto foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1979, numa disputa acirrada. O resultado, porém, foi celebrado em festa memorável, como se fora a vitória de um candidato popular, com torcida e tudo.

Nascido em São João del-Rei em 1º de maio de 1922, Otto Lara Resende trabalhou durante meio século, vindo a falecer poucos dias após o Natal de 1992, aos setenta anos de idade, depois de se submeter a uma cirurgia de coluna. Sua partida, no auge do prestígio como colunista da Folha de São Paulo, foi um choque, uma trombada de frente sofrida por milhares de leitores, antigos e novos, idosos e jovens, pessoas que se haviam acostumado, nos dois últimos anos, a encontrar, naquele pequeno espaço da página dois do jornal, um texto saboroso sobre os mais diversos assuntos do cotidiano, a crônica de um autêntico mestre do gênero.

Agora, em cuidadosa edição da Companhia das Letras, organizada por outro craque mineiro, Humberto Werneck, as colunas da Folha são reeditadas, com o título da primeira delas, datada de 1º de maio de 1991, BOM DIA PARA NASCER. É leitura na categoria das imperdíveis, livro para estar na pasta, ou na bolsa, dos leitores, e abrir em qualquer página, com garantia de satisfação ética e estética. No marco dos 90 anos do nascimento de Otto Lara Resende, fomos todos vivamente presenteados.




Fabio de Sousa Coutinho é membro titular do PEN Clube do Brasil e Presidente da Associação Nacional de Escritores (ANE).

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