quinta-feira, 17 de maio de 2012

Poesia candanga e importância no cenário Brasileiro


Salomão Sousa


Vanessa Arcoverde

Nascida sob o signo da poesia, como diz Anderson Braga Horta, Brasília começa a despontar uma literatura única. Especialmente quanto à poesia.

E como surgiu a poesia da capital federal? O poeta goiano Salomão Sousa defende, em antologia poética organizada por ele, que “a presença do corpo diplomáticos, dos tribunais, das casas legislativas, das universidades e de todos os arcabouços administrativos a exigir a presença de homens e mulheres íntimos da presença cultural e política favoreceu o rápido florescimento da literatura em Brasília.” Por ser uma cidade jovem, havia poucos poetas, de fato, brasilienses. Em seus primeiros anos, a literatura candanga teve de ser feita por escritores de fora e, exatamente por isso, ainda não se podia dizer que Brasília possuía uma literatura distinta da de outros lugares.

No entanto, hoje já se possível dizer que o poeta brasiliense é um poeta urbano. O projeto urbano único de Brasília serve de grande inspiração para os artistas da capital e influencia suas obras.

“[A poesia] é feita por um poeta que sai de si mesmo pela janela para falar do que está acontecendo pelo mundo. É uma poesia que está em espaços urbanos e o poeta se mistura com esse espaço.”, diz o poeta e professor Alfonso Hernández.

Poesia Marginal

“A Poesia Marginal — o único movimento legítimo da poesia de Brasília.” É assim que Salomão se refere ao movimento poético ocorrido durante a ditadura militar. A poesia da época era marginal em todos os seus aspectos: expressão, produção e distribuição. Com nomes como Nicolas Behr, Luís Turico e Luiz Martins, o movimento contava com uma poesia de contracultura, impressa e editada pelos próprios poetas e distribuída por panfletagem. Pelo caráter subversivo de sua poesia, Nicolas foi preso, em agosto de 1978, e processado, sendo julgado e absolvido no ano seguinte.

Visibilidade

Porém, chama-se a atenção à pouca expressão da poesia brasiliense no contexto nacional. Não há, na capital federal, um parque editorial forte como o que há no eixo Rio – São Paulo, ou grande concentração de veículos midiáticos. É essa a opinião do poeta e romancista Ronaldo Costa Fernandes. Ele aponta que faltam no Brasil, políticas de incentivo à leitura de poesia. Segundo Fernandes, “a poesia tem pouco alcance e, a de Brasília, menos ainda”, posição essa dividida pelo secretário de cultura do Distrito Federal, Wilson Costa. “Os escritores de Brasília precisam cavar espaço na mídia”.

O poeta Salomão Sousa pensa de maneira semelhante: “É o esforço para criar identidade e definir linguagens que dá excelência à poesia brasiliense. Aos poetas, então, cabe louvar a crescente inserção neste projeto de transformar Brasília num organismo autônomo, e estimulá-los com valorização crítica para que sejam motivados a seguir em busca de novas linguagens, já que a poesia, para não apodrecer, não pode ficar estancada sempre nos mesmos limites.”







terça-feira, 15 de maio de 2012

Um campo de concentração na selva, Adelto Gonçalves


Hernâni Donato e Fábio Lucas

I

Se o Brasil já soube reverenciar os seus grandes escritores, como ao tempo de José de Alencar (1829-1877), Machado de Assis (1839-1908), Olavo Bilac (1865-1918), Graciliano Ramos (1892-1953) e Jorge Amado (1912-2001), hoje não o faz tanto. E não é porque não existam grandes escritores. É por desconhecimento mesmo das novas e velhas gerações que são bombardeadas por literatura norte-americana de baixo nível, que aqui chega em formato de livros de auto-ajuda.

Quem é professor de Língua Portuguesa na graduação conhece bem o drama: se pedir para que seus alunos escrevam resenha crítica de algum livro que já tenham lido nos últimos anos, será contemplado com apreciações sobre os chamados best sellers de autores norte-americanos. E mais: na maioria, são resenhas que tiram da Internet e que assumem como suas, praticando apropriação indébita. Mas o que esperar de um País que há muito tempo não prepara seus professores do ensino fundamental e médio, mas pretende “inundar” as escolas públicas de lousas digitais, provavelmente porque algum figurão há de ganhar gordas comissões nas vendas para prefeituras e órgãos públicos?

Mas nem tudo está perdido. Ainda bem que, de vez em quando, aparece um editor de visão e bons propósitos, como Nicodemos Sena, que, aliás, é também um fino escritor. Diretor da Associação Cultural Letra Selvagem, de Taubaté-SP, Sena vem relançando vários livros que já deveriam ter sido canonizados na História da Literatura Brasileira. Mas que, sabe-se lá por que, não o foram.

É o caso de Selva Trágica, de Hernâni Donato, que, lançado em 1960, causou grande impacto no leitor a ponto de esgotar quatro edições. E não só. Em 1963, em função do sucesso de crítica e de público, foi transformado em filme em preto e branco pelo diretor Roberto Farias, marcando a estréia de Reginaldo Farias, que viria a se tornar um dos principais atores do cinema brasileiro. O filme ganhou o Prêmio Saci, promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo, e representou o Brasil no Festival de Veneza. Hoje, é considerado um “clássico” do Cinema Novo brasileiro e não pode faltar no acervo de uma cinemateca.

Hernâni Donato, 90 anos, nasceu em Botucatu, interior de São Paulo, em uma família de imigrantes italianos. Filho de um operário, mesmo com dificuldades, tornou-se um intelectual de sólidos conhecimentos e, profissionalmente, desempenhou a atividade de publicitário. Membro da Academia Paulista de Letras, é autor de mais de 70 livros, nos mais variados gêneros, indo da literatura infanto-juvenil à biografia, da historiografia aos costumes, da pesquisa à divulgação científica. Traduziu a Divina Comédia, de Dante Alighieri. Como romancista, publicou ainda Chão Bruto, Rio do Tempo, O Caçador de Esmeraldas e Filhos do Destino, que obtiveram êxito editorial nas décadas de 1950 e 1960.

II

De que trata Selva Trágica? É um romance-documento como poucos na história da Literatura Brasileira. À maneira de Gustave Flaubert (1821-1880) e Émile Zola (1840-1902), o jovem Donato empreendeu uma minuciosa pesquisa não só em fontes impressas como in loco, visitando a região em que situou o seu romance e entrevistou pessoas que serviriam para compor seus personagens. Ouviu casos terríveis contados por antigos trabalhadores das “minas” de erva-mate no Mato Grosso, na fronteira com o Paraguai, que só não surpreendem porque no Brasil de hoje os jornais, de vez em quando, ainda trazem notícias de que as autoridades federais flagraram trabalho escravo em fazendas.

É do que trata, em poucas palavras, o livro de Donato. Até 1938, período do primeiro governo de Getúlio Vargas, o nosso clone de Hitler e Mussolini, manteve-se o monopólio da Companhia Mate Laranjeira, empresa argentina que explorava a extração do mate nos ervais do Mato Grosso. O trabalho era desumanamente desenvolvido em condições que fariam o Inferno, de Dante Alighieri (1265-1321), parecer um oásis.

Ao final da década de 1950, quando Donato embrenhou-se nos ervais em busca de material para o seu romance, ainda havia cerca de cinco mil homens e mulheres que trabalhavam em condições subumanas, sem descanso, durante 14 horas por dia, na colheita e transporte da erva. Ainda assim, há historiadores que afirmam que o período Vargas (1930-1945) foi aquele em que pela primeira vez os trabalhadores tiveram seus direitos reconhecidos e respeitados. Talvez isso se tenha dado em grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, porque no interior o Brasil sempre foi um imenso campo de concentração, que nada ficaria a dever a Auschwitz-Birkenau ou ao Gulag soviético, ainda que em tempos de paz.

III

Entre as muitas histórias que Donato recolheu e transportou para a literatura, estão a do homem que teve de lutar de garrucha em punho e viu seu filho morrer, porque ousou escrever sobre o que se passava na cultura do mate; e a do peão que trazia no corpo sinais de 18 facadas, com cortes que haviam sido costurados com agulha e barbante de costurar saco. Mas isso ainda era pouco: diariamente, os homens tinham de transportar o mate entre a “mina” e o acampamento, pelo meio da selva bruta, em fardos de 150 ou 200 quilos, amarrados às costas. Qualquer passo em falso causava a quebra da espinha dorsal do carregador. A vítima gemia a noite inteira, até que os demais trabalhadores pediam ao administrador que tivesse caridade. Então, os próprios companheiros recorriam ao jogo de cartas para que ao perdedor coubesse a tarefa de “de dar paz ao moço desgraçado”, ou seja, dar um tiro na cabeça daquele ser agonizante (pág.36).

Os bebedores de mate – hábito ainda largamente difundido não só no Centro-Oeste e Sul do Brasil como nos países de fala hispânica – que viviam na cidade, provavelmente, nem imaginavam como a erva-mate seria cultivada. Talvez tenham ficado indignados com os fatos narrados em Selva Trágica, o que justificaria a procura que o livro despertou no acanhado ambiente cultural paulista e carioca daquela época.

São narrações pungentes que horrorizam pela brutalidade com que era tratado o “uru”, o homem responsável pelo “barbaquá”, espécie de forno de madeira em que a erva era preparada para o consumo. Esse coitado era obrigado a trabalhar dia e noite sem parar, remexendo as folhas da erva sob um calor infernal. Depois de algum tempo trabalhando sob essas condições atrozes, todos os pelos de seu corpo secavam, caindo.

O trabalhador ficava esturricado e se transformava num feixe de ossos, talvez parecendo um salame defumado, enquanto os diretores da Companhia Mate Laranjeira confraternizavam-se com os donos do poder no palácio do governo em Cuiabá, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, na Casa Rosada, em Buenos Aires, e no Palácio de los López, em Assunção, garantindo o privilégio do monopólio da extração da erva.

Por aqui se vê que Selva Trágica é um romance épico, que, incompreensivelmente, estava esquecido. E olhem que não foi por falta de reconhecimento da crítica. Temístocles Linhares em História Econômica do Mate (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1960) já o considerara um “romance másculo, forte, bárbaro, como bárbara era a selva, como bárbaro era o trabalho nos ervais”. Artur Neves, na Revista Anhembi (São Paulo, 1961), já o definira como “uma história como nunca foi escrita em nossa terra”.

IV

Como observa o professor e crítico literário Fábio Lucas em O Caráter Social da Literatura Brasileira (Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1970), em texto que serve de prefácio para esta edição, Selva Trágica constitui “um dos mais altos momentos da novelística de conteúdo social no Brasil”. Lembra Fábio Lucas que os ervateiros eram mobilizados na fronteira Brasil-Paraguai e levados por máfias para casas de prostituição, até que, bêbados, assinavam um contrato leonino com a companhia. Ficavam devedores para sempre, ganhando apenas para comer. Aos que tentavam escapar do inferno, restava a perseguição dos capangas da companhia que, quando os capturavam, espancavam-nos até a morte. “Não pense que gosto de mandar bater. Mas quem segura esse povo no duro do trabalho se não usar dureza?”, dizia Curê, o administrador (pág.142).

Os capatazes da companhia eram tão sórdidos que se sentiam no direito de abusar das mulheres dos ervateiros, enquanto estes se embrenhavam no mato. As mulheres serviam também para pagar dívidas, funcionando como moeda de troca entre os homens. Mas, apesar da sordidez da vida que levavam, havia ainda aqueles que encontravam forças para lutar contra a exploração e defendiam a extinção do monopólio da companhia. Entre esses, estavam os changa-y, “os mais miseráveis dos miseráveis dos trabalhadores da erva”, aqueles que tentavam trabalhar sem o patrão-algoz.

Luisão era um desses que escapara do inferno verde e andara por Cuiabá e Rio de Janeiro em conversas e peditórios com os políticos favoráveis à extinção do privilégio da companhia ervateira. Dizia aos companheiros: “A Companhia faz também essa e faz a grande política em Cuiabá, em São Paulo, no Rio, em Buenos Aires, sei lá onde mais. Assim, cobre os gemidos e os gritos da pobre gente dos ervais. No andar em que vamos, nem no fim do século teremos forças para emparelhar o nosso passo com o passo da Companhia. Lá fora é que é preciso gritar. O Governo é que nos pode ajudar se chega a nos ouvir. Mas o Governo só ouve ribombo, soluços não” (págs. 136/137).

Não por coincidência publicado em 1956, mesmo ano em que saiu à luz Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa (1908-1967), Selva Trágica é um passo adiante do romance regionalista da década de 1930, época em que o pobre entrou triunfalmente na Literatura Brasileira. Ambientado no mundo da fronteira, traz ainda uma complexa linguagem narrativa, um verdadeiro amálgama da língua portuguesa com o linguajar guarani, como observa a professora Nelly Novaes Coelho, da Universidade de São Paulo, na apresentação que escreveu para esta edição.

Nesse sentido, é de acrescentar que Selva Trágica tem muitos pontos de aproximação com o trabalho do romancista, contista e antropólogo peruano José María Arguedas (1911-1969), autor de Los Ríos Profundos (1956), Todas las Sangres (1964) e El Zorro de Arriba y el Zorro de Abajo (1971, póstumo), entre outros, que igualmente fazia um trabalho de campo antes de escrever sobre a realidade do mundo quechua no Peru. Não por acaso os livros de ambos são permeados por inevitáveis notas de rodapé que servem para explicar as palavras tiradas do idioma indígena.

Houve ainda quem comparasse Hernâni Donato com Erskine Caldwell (1903-1987) e John Steinbeck (1902-1968), a geração norte-americana da revolta, o Caldwell de Chão Trágico (Tragic Ground, 1944), um mergulho na vida dos vencidos e desgraçados do Sul dos Estados Unidos, e o Steinbeck de As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath,1937), que conta a história de uma família pobre no estado de Oklahoma durante a Grande Depressão de 1929, que, obviamente, nada têm a ver com a atual geração de norte-americanos produtores de best sellers que envenenam a nossa pouco letrada juventude.
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SELVA TRÁGICA, de Hernâni Donato. Taubaté-SP: Associação Cultural Letra Selvagem, 288 págs., 2011, R$ 35,00. E-mail: letraselvagem@letraselvagem.com.br Site: www.letraselvagem.com.br

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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa