terça-feira, 4 de setembro de 2012

Bicentenário de João Francisco Lisboa

 
                Durante a feitura dos Apontamentos para a História do Maranhão, João Francisco Lisboa talvez não tenha se dado conta de que ele mesmo estava escrevendo uma das grandes páginas da História do estado que o viu nascer em 1812, em Pirapemas, pertencente à jurisdição de Itapecuru-Mirim, hoje Coroatá. Naquela metade do século XIX, alguns dos mais notáveis protagonistas da cultura brasileira tiveram sua vida imbricada à de outros grandes vultos da época.

                Dessa maneira, João Lisboa foi aluno de Sotero dos Reis, em São Luís, amigo e biógrafo de Odorico Mendes (tradutor da Odisseia, de Homero), e, na capital de Portugal, substitui o poeta e amigo Gonçalves Dias na missão de recolher, mandar copiar por amanuenses e enviar pela delegação brasileira em Lisboa documentos fundamentais da nossa História.

                Os contemporâneos de João Lisboa já registravam o estilo vigoroso, arrebatador, não desprezando a verve irônica, nem o comentário ferino feito sob uma escritura ora divertida, ora metamorfoseada em matizes desconcertantes e inesperados. Não cabe, contudo, no que concerne ao estilo vibrante de João Lisboa, a acusação de certo artificialismo ou de arcaísmo. Longe está o autor de A vida do padre Antonio Vieira de apontar para uma escritura que não esteja na moldura de sua contemporaneidade e eivada de vigor e estilo aliciante, entre o jornalismo, o registro histórico, o tom romanesco em diversas passagens e uma construção frasal que enleva e seduz o leitor.

                José Veríssimo (entre tantos outros como Sílvio Romero, Joaquim Manuel de Macedo, Gonçalves Dias e até mesmo o modernista Ronald de Carvalho) apontou em relação à produção de João Lisboa: “É uma obra [Jornal de Timon] que tem merecido os maiores elogios dos mais abalizados críticos nacionais e estrangeiros. Por muitos aspectos é porventura ele o mais poderoso escritor brasileiro”.

                Alguns críticos mais modernos acusam em João Lisboa a ausência de uma análise que não inclui o aspecto econômico. Acreditamos que seria exigir que o materialismo dialético tivesse chegado até nós quando seu próprio teórico ainda estava em permanente (e dialética) transformação de sua teoria (v. Hobsbawm). Visto no contexto de sua época, autodidata, advogado com banca estabelecida em São Luís sem ter cursado a faculdade de Direito, João Lisboa é um desses fenômenos de gênio e autossuperação numa província e num tempo em que o Maranhão ainda não estabelecera nenhuma faculdade.

                Polemista nato, renegou a política sobre a qual tanto escrevera e também a exercera em seu princípio de idade madura. Contudo sua maior polêmica se deu após sua morte. Discordara de Varnhagem, a quem recorrera para ocupar o lugar de Gonçalves Dias, em Lisboa, como pesquisador dos documentos brasileiros em Portugal. E dele recebera o apoio fundamental junto ao Imperador. Antes de morrer, contudo, escreve contra o mestre, discrepando dele quanto à participação do índio na formação da nossa nacionalidade. Mesmo depois da morte, a controvérsia continuou, com a resposta incisiva de Varnhagem e a defesa de João Lisboa feita por seus amigos como, entre outros, Antônio Henriques Leal.

                Curiosamente, desde que passou a se chamar Praça João Lisboa, em volta de sua estátua, inaugurada em 1918, na capital São Luís, todas as noites, durantes várias décadas, reuniam-se os maiores intelectuais, políticos e jovens promissores para conversar, debater ideias, criar periódicos, acertar edições e outros assuntos de real importância para a vida cultural e política do estado do Maranhão. Tudo sob a égide da plácida e imóvel presença em bronze do jornalista, escritor, polemista, político e historiador João Francisco Lisboa que, após duzentos anos de seu nascimento, continua vivo na memória e cultura brasileiras. (RCF)