quarta-feira, 10 de abril de 2013

Claudio Sesín: o poeta dos ocasos catamarquenhos


 
Claudio Sesín
                              
 

                                     Adelto Gonçalves (*)

                                               I

 

         Quem estuda as letras hispano-americanas nas universidades brasileiras, dificilmente, entra em contato com a literatura contemporânea dos países vizinhos. É o que se dá com a literatura argentina, da qual se conhece Jorge Luis Borges (1899-1986), Adolfo Bioy Casares (1914-1999), Julio Cortázar (1914-1984), Roberto Arlt (1900-1942), Horacio Quiroga (1879-1937), Oliverio Girondo (1891-1967), Juan José Saer (1937-2005), Alfonsina Storni (1892-1938), Juan Guelman (1930), Rodolfo Alonso (1934) e outros, mas quase nada da geração mais recente.  E não se diga que seja uma geração muito jovem porque a maioria já passou dos cinqüenta anos de idade.

            Não se pode jogar a culpa sobre os professores. Se hoje este articulista conhece uma boa parte de autores argentinos só tem a agradecer ao seu orientador no mestrado, o professor Mario Miguel González (1938-2013), nascido em Alta Gracia, Córdoba, que sempre se preocupou em falar dos poetas que apareciam na Argentina, ainda que estivesse radicado no Brasil desde que fora contratado pela Universidade de São Paulo (USP) em 1968 e fosse brasileiro naturalizado. Com o desaparecimento de González em fevereiro último, perderam a literatura argentina e a hispano-americana talvez o seu maior divulgador no Brasil.

            Esse desconhecimento pode ser atribuído à devastação cultural promovida pelas ditaduras militares de direita que infelicitaram tanto Brasil como Argentina e à crise econômica que levou ao fechamento de vários suplementos e revistas culturais tanto lá como aqui, resultado talvez do empobrecimento intelectual das classes médias. Na segunda metade da década de 1970, o Versus, de São Paulo, jornal-tablóide cultural criado pelo jornalista Marcos Faerman (1943-1999), era uma espécie de filhote da revista de crítica cultural Crisis, que circulou em Buenos Aires de 1973 a 1976 e teve em sua direção, primeiro, Ernesto Sábato (1911-2011) e, depois, o uruguaio Eduardo Galeano (1940), que, em 1976, acossado pelo regime do general Jorge Rafael Videla, transferiu-se para Barcelona e de lá enviava colaborações para o Versus.

            Àquela época, diga-se de passagem, havia na Argentina, ao contrário do Brasil, pelo menos alguns empresários que tinham preocupações culturais e praticavam o mecenato. Era o caso do empresário, advogado e engenheiro-agrônomo Federico Vogelius (1920-1986), que fundou a Crisis à época do retorno do peronismo ao poder e a manteve até que a ditadura militar o atirou ao cárcere por três anos, período em que passou por várias sessões de tortura. Em 1986, Crisis voltaria a circular, também por empenho de Vogelius, mas por poucos meses. Já as despesas de Versus saíam das economias domésticas de Faerman e do seu salário como repórter do Jornal da Tarde, de São Paulo.

                                                           II

            Mas a que vêm estas reminiscências? Vêm a propósito de dizer que, tal como no Brasil de hoje, há uma poesia em grande efervescência na Argentina e que, da mesma forma, é pouco conhecida porque, decididamente, houve em ambos os países um empobrecimento cultural avassalador. Entre os nomes que constituem a nova poesia argentina, pode-se citar Claudio Sesín, Eduardo Dalter, Arturo Herrera, José Emílio Talarico, Sofía Vivo, Alejandro Acosta, Mirta Popesciel, Daniel Chirom, Ricardo Ruiz, Elizabeth Molner, Gisele Rodríguez e outros. 

            Um poeta que constitui um exemplo dessa nova poesia argentina é Claudio Sesín (1959), praticante de “uma poética renovadora, que retoma o projeto lírico, sem abandonar o compromisso com a crítica social”, na definição do poeta e crítico Ronaldo Cagiano, um dos poucos que têm tido a preocupação de reconstruir as pontes culturais com a Argentina e outros países latino-americanos.

            Poeta de Catamarca, região noroeste da Argentina, vizinha a Oeste do Chile, de paisagens montanhosas e crepúsculos deslumbrantes, cuja capital San Fernando del Valle de Catamarca fica a mais de mil quilômetros de Buenos Aires, Sesín sempre foi um poeta cercado pelos cumes nevados da cordilheira e isolado em sua província. Como se tivesse optado por viver um desterro permanente e que, por isso, reluta em largá-lo. Até mesmo quando sai de sua terra, a viagem é parte do seu exílio. É o que diz no poema “El árbol” que faz parte de seu livro El Signo del Crepúsculo (Buenos Aires, Editorial Dunken, 2006):

                        Cuando uno se dirige a la frontera,

                        el viaje es una parte del exilio. (....)

                        (....) Sentir y hasta querer este destierro.

                        El hombre se acostumbra a la tristeza.

                        Um árbol infinito con ramas de tinieblas

                        ensombrece la ausencia, la apacienta.

                        Donde voy a llorar, entre qué brazos?

                        Siempre es llorar por uno,

                        este viajar en sombras por la niebla.

                                                           III

            Como observa o poeta Arturo Herrera no prólogo que escreveu para este livro, a poesia de Sesín é exatamente oposta à retórica e contorções lingüísticas que se vê em demasia na poesia pós-moderna. Para ele, este livro deveria ter como título Libro de la Permanencia ou apenas Permanencia porque “a maioria das composições sustenta este conceito como uma solitária pedra na palma da mão aberta e ao seu redor se modulam as distintas sensações do tempo”. O título do livro, no entanto, provém do poema “El signo del crepúsculo” que fecha a obra e que, em sua estrofe final, diz:

                        (...) Hoy me dejo llevar a la extensión del tiempo

                        y voy, un peregrino de mi suerte,

                        buscando qué lugar, qué detalle en penumbras

                        en quién sabe qué imagen, qué piel o qué tristeza,

                        esta felicidad por los ocasos.

            De fato, a passagem do tempo parece fascinar o poeta e constitui palavra-chave de El Signo del Crepúsculo, ao lado do sentimento de perda que acompanha o homem quando encara o ocaso de sua vida e a inutilidade de acumular tesouros na terra, como se pode ler também no poema “Los comediantes”:

                        (...) A veces creo que el tiempo que nos lleva

                        es un viejo gitano en sus caprichos,

                        que nos compra y nos vende con sus dichos,

                        y tan sólo nos deja en nuestras manos,

                        un sueño sin edad de algún verano

                        y el volver a vibrar del precipicio. (...)

                                                           IV

            Claudio Sesín nasceu em Villa Dolores, Valle Viejo, mas passou toda a sua infância em Pomán, província de Catamarca. Foi em 1983 que começou a publicar seus escritos em jornais de Catamarca, especialmente poesia, prosa poética e relatos breves. Desde 1986, integra o Movimento de Escritores pela Liberação (MEL), de Córdoba, e em 1987 passou a fazer parte da redação do periódico cultural El Cronopio, daquela instituição. De 1996 a 1997, colaborou com as revistas Cain e Gaia, de Catamarca, e Cultura Abierta, de Buenos Aires.

            Em 1993, publicou o seu primeiro livro de poesia, La Barbarie, edição de autor. Em 1997, publicou o seu segundo livro, El Círculo de Fuego, também edição de autor. Em 2008, lançou El Libro de los Poemas Casuales/O Livro dos Poemas Casuais (Buenos Aires: Editorial Dunken) em edição bilíngüe com traduções para o português por Anderson Braga Horta e Antonio Miranda.

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EL SIGNO DEL CREPÚSCULO, de Claudio Sesín. Buenos Aires: Editorial Dunken, 80 págs., 2006. E-mail: info@dunken.com.ar  Site: www.dunken.com.ar

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(*) Adelto Gonçalves é mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

 

terça-feira, 9 de abril de 2013

Em entrevista, Mario Vargas Llosa adianta temas de palestra e fala sobre séries de TV



CASSIANO ELEK MACHADO
DE SÃO PAULO


Entre os Mario Vargas Llosa que vivem em Mario Vargas Llosa há os mundialmente conhecidos, como o intelectual e escritor que, três dezembros atrás, deu um vigoroso aperto de mão no rei da Suécia e recebeu dele a medalha de Nobel de Literatura.
E há os quase obscuros, como o Vargas Llosa que, de tempos em tempos, é ator teatral. Nos últimos anos, andou encarnando, por exemplo, o rei persa Shariar, de "As Mil e Uma Noites", em palcos de México e Espanha.
Não é de estranhar, pois, que o mais completo de todos os Mario Vargas Llosa seja o conferencista, como poderá testemunhar na semana que vem a plateia do teatro Geo, no Instituto Tomie Ohatke.
Daniel Marenco/Folhapress
Mario Vargas Llosa em retrato tirado em Porto Alegre, em 2010
Mario Vargas Llosa em retrato tirado em Porto Alegre, em 2010
O escritor, ensaísta, "ator" e palestrante peruano de 77 anos virá a São Paulo para a conferência de abertura da edição 2013 do ciclo Fronteiras do Pensamento (veja programação completa abaixo).
"Farei uma defesa rigorosa da importância da cultura e a crítica da busca desenfreada pelo entretenimento light", adianta Vargas Llosa, com seu vozeirão de rei persa, em entrevista à Folha.
A base da palestra do Nobel será um breve livro de ensaios que ele publicou no ano passado em espanhol e que a editora Alfaguara lançará no Brasil em setembro: "A Civilização do Espetáculo".
PALHAÇADAS
Tanto neste livro como em artigos anteriores, compilados no volume "A Linguagem da Paixão" (esgotado no Brasil), Vargas Llosa atira flechas contra os mesmos alvos: programas de TV como Big Brother, a "paixão pela fofoca", a desvalorização da grande cultura ocidental e "as palhaçadas das artes contemporâneas".
Foi por elas, as artes plásticas, que don Mario puxou o fio da meada.
"Há uns 12 anos eu fui visitar a Bienal de Veneza. Nesse templo mundial da cultura, me dei conta de que não gostaria de ter uma só daquelas obras em casa", diz o escritor, que tem em seu apartamento em Madrid trabalhos de importantes modernistas, como os alemães Max Ernst e George Grosz.
"Tive a percepção de que nenhuma peça daquela imensa exposição italiana sobraria para contar a história e fiquei muito aflito com isso."
Outras aflições vieram a se somar a essa. "Eu me dei conta então de como os grandes escritores que me formaram tinham ido parar nas catacumbas e que quase tudo o que antes era considerado cultura virava entretenimento banal", afirma.
SÉRIES DE TV
Em meio a essa defesa apaixonada dos clássicos universais, Vargas Llosa deixa escapar que ele é um consumidor voraz de séries de TV.
"Seriados como 'Homeland' e 'House of Cards' continuam uma tradição muito divertida, que é a do folhetim, como os de Alexandre Dumas", diz o autor, também admirador da série "The Wire".
"Estes programas não têm pretensões culturais, são uma forma de diversão justificável. Não se parecem em nada com as coisas que faz, por exemplo, Damien Hirst", diz, atacando o artista contemporâneo britânico.
E qual seria, na visão dele, a mais recente ou "última" grande aventura intelectual do ocidente? A literatura de William Faulkner (1897-1962). "Quanto mais passa o tempo, vejo que a obra de Faulkner é a única de nossa época que é comparável à de Tolstói, Cervantes ou Victor Hugo."
Vargas Llosa apenas ri quando é questionado sobre como sua obra será lida no futuro. Mas afirma que "um dos poucos livros que podem se salvar" é "Conversa no Catedral", obra que ganhou este mês nova edição brasileira, pela mesma Alfaguara.
Publicada em 1969, a obra foi, diz ele, recebida inicialmente com a maior de todas as friezas. "Mas foi crescendo e educando leitores. É curioso que, hoje, quando citam meu nome, este é o primeiro livro mencionado."
Segundo o autor, os temas de "Conversa" (em que, por meio de um retrato da realidade peruana dos anos 1950, traça um panorama político da corrupta e repressiva América Latina) seguem "infelizmente atuais". "Há problemas morais, políticos, sexuais ainda vigentes em muitos países da nossa região."
O próximo livro do escritor, ainda não concluído, deverá fazer um interessante contraponto a "Conversa".

(Fonte:UOL)