domingo, 28 de abril de 2019

Um homem é muito pouco 15




Street Art

Meses depois, Toninho Marcos voltou dos Estados Unidos. Conseguira a galeria e marcou a exposição. Ele ficara com todos os encargos e gastos da montagem. Mas como eram os Estados Unidos, Toninho Marcos contratou firma que transportava, montava e divulgava a exposição. Os irmãos de Toninho Marcos não gostavam da profissão de artista dele, mas compareciam às vernissages e gostavam de sair nas colunas sociais onde apareciam em foto. Toninho Marcos voltou ainda mais americanizado, tinha morado em apartamento de um só cômodo e fizera ali também seu ateliê, o único inconveniente era dormir com o cheiro de tinta, comer com o cheiro de tinta, pensar em Yolanda com o cheiro de tinta. Toninho Marcos usava muitos termos em inglês, o cabelo vinha até o meio das costas, fumava, contudo, cigarros brasileiros e bebia vodca.

Tinha o cacoete de virar-se para trás como se alguém estivesse em suas costas. Da mesma maneira que Clemente tinha medo de Bremen, Toninho Marcos tinha medo de voltar à casa da dra. Nise da Silveira. Andava pela city como estivesse numa grande galeria. Olhava as paredes laterais dos buildings e pensava numa grande tela. O cheiro de descarga dos carros e outros cheiros urbanos, ele não os sentia, carregava no nariz o cheiro das tintas. E cada olhada mais demorada sua, ele pouco via movimento e sim cores, luzes e sombras e fixava o momento como se estivesse dentro de um quadro. Às vezes Toninho Marcos pensava a cidade do Rio como a Paris de Utrillo, mas quando ia levar à tela as impressões e visões da cidade saía algo abstrato e, agora, caminhava para o geométrico.

Como voltara a estar com Liechtenstein, Toninho Marcos sentia a influência dele e caminhava também para registrar as cenas urbanas numa espécie pop das revistas em quadrinhos, como já fizera outro pintor carioca, que Toninho Marcos conhecia socialmente, mas não gostava por ser pernóstico e, assim pensava Toninho Marcos, vê-lo, a ele, Toninho Marcos, como naïf ou louco que pintava como terapia.



(do livro Um homem é muito pouco. São Paulo: Nankin, 2010.)

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