quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Julio Cortázar morreu de Aids, e não de câncer

Julio Cortázar morreu de Aids, e não câncer, diz amiga

  • Escritora afirmou ao jornal ‘Clarín’ que o autor de ‘O jogo da amarelinha’ foi infectado durante uma transfusão de sangue, numa época em que o vírus ainda não tinha sido identificado
  • Morte do escritor argentino completou 30 anos nesta quarta-feira
O GLOBO
 
O escritor argentino Julio Cortázar Foto: Divulgação
O escritor argentino Julio Cortázar Divulgação
RIO — Julio Cortázar morreu de Aids, de acordo com a escritora e jornalista Cristina Peri Rossi, que foi amiga do consagrado autor argentino.
Em entrevista ao jornal "Clarín", publicada nesta quarta-feira — dia em que a morte de Cortázar completou 30 anos —, Rossi disse que, ao contrário do que se especulava, não foi "câncer, nem leucemia" que matou o escritor, tese que ela já tinha defendido na biografia "Julio Cortázar", de 2001. Rossi afirmou ainda que o amigo infectou a sua mulher, Carol Dunlop, com a doença. "Ela morreu primeiro, dois anos antes de Julio, porque, embora fosse muito mais jovem, tinha retirado um rim em cirurgia", declarou.
A jornalista explicou que a Aids ainda não tinha sido identificada quando Cortázar contraiu a doença. A infecção teria acontecido após uma transfusão de sangue a que o autor foi submetido, em agosto de 1981, quando morava no sul da França, por conta de uma hemorragia estomacal.
"Depois se soube, em meio a um grande escândalo, que (sangue utilizado na transfusão) estava contaminado", afirmou ela, reforçando que o diagnóstico de câncer nunca foi feito. "A verdade é que a doença que matou Julio não foi diagnosticada, não tinha um nome específico. Falavam apenas em perda das defesas imunológicas."
Cristina Peri Rossi contou que levou o autor de "O jogo da amarelinha" para ver um médico de sua confiança. Após analisar amostras de sangue e outros exames, descartou a existência de câncer.
Após várias consultas, os médicos encontraram apenas uma "infecção não determinada, provocada por um retrovírus, e sem tratamento."


 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

William Shakespeare: os primeiros 450 anos


 

FABIO DE SOUSA COUTINHO

 

Considerado por colegas, discípulos e leitores o mais lúcido e referencial crítico literário surgido nos Estados Unidos nas seis últimas décadas, Harold Bloom (1930) é, acima de tudo, um arguto intérprete e devotado divulgador shakespeariano.

 

Seu livro de maior projeção, entre os cerca de vinte, todos de qualidade superlativa, que publicou desde 1959, constitui verdadeiro tratado, ao longo do qual, peça após peça, examinou os trinta e cinco textos que compõem a inigualável obra poética e dramatúrgica do bardo de Stratford-upon-Avon. O calhamaço se intitula “SHAKESPEARE - A Invenção do Humano” e foi editado no Brasil, com primorosa tradução de José Roberto O'Shea e revisão de Marta Miranda O'Shea, pela Editora Objetiva, no ano 2000. O Professor Bloom dividiu seu monumento estético, de quase novecentas páginas, em nove partes, correspondentes a igual número de categorias que atribuiu, com irreprochável critério científico, ao OPUS THEATRALE de Shakespeare.

 

Assim, na Parte I, As Primeiras Comédias, figura, por exemplo, A MEGERA DOMADA; na Parte II, Os Primeiros Dramas Históricos, aparecem HENRIQUE VI e RICARDO III; na Parte III, As Tragédias de Aprendizado, o destaque é para ROMEU E JULIETA; na Parte IV, As Altas Comédias, Harold Bloom analisou, entre outras, SONHO DE UMA NOITE VERÃO, O MERCADOR DE VENEZA e MUITO BARULHO POR NADA; na Parte V, Os Grandes Dramas Históricos, desponta  AS ALEGRES COMADRES DE WINDSOR; na Parte VI, As "Peças-Problema", brilha MEDIDA POR MEDIDA; na Parte VII, As Grandes Tragédias, cinco peças esplendorosas: HAMLET, OTELO, REI LEAR, MACBETH e ANTÔNIO E CLEÓPATRA; na Parte VIII, O Epílogo Trágico, avulta CORIOLANO; e , por fim, na Parte IX, Os Romances, seis títulos que enfatizam o diferencial shakespeariano, sendo A TEMPESTADE o mais pujante e arrebatador dentre eles.  

   

Ao abranger, em trabalho de quase impossível superação, um conjunto literário que inaugurou a forma mais corrente de representação de personagem e personalidade, em língua inglesa, Harold Bloom sustenta que Shakespeare, ao mesmo tempo, inventou o humano, conforme hoje nos é conhecido. Nesse aspecto, o mestre de Yale chega a ponto de afirmar que seu ídolo é o primeiro psicólogo, e Sigmund Freud, que viveu trezentos anos depois de William Shakespeare, um "retórico tardio".

 

Nascido em 1564, o fenomenal escritor faleceu, não tão precocemente para os padrões etários de sua época, aos 52 anos de idade, em 1616. São literalmente incontáveis as utilizações e derivações artísticas de seus trabalhos, nos quatro séculos e meio que transcorreram desde que veio ao mundo. Sua importância intelectual encontra pouquíssimos paralelos na história cultural da humanidade, na era cristã: talvez a ele se equiparem, ou dele se aproximem, no idioma espanhol, Miguel de Cervantes, precursor do romance ocidental; o florentino Dante Alighieri, fundador, no primeiro quartel do século XIV, como corolário linguístico do dialeto toscano, do italiano moderno em que está moldada, lapidarmente, A DIVINA COMÉDIA; Luís Vaz de Camões e Fernando Pessoa, os maiorais de Portugal e de nosso riquíssimo vernáculo; Victor Hugo e Marcel Proust, gigantes da gloriosa literatura francesa; Johann Wolfgang von Goethe, expoente da culta, cerebral e admirável prosa alemã.

 

Na jubilosa celebração sem fronteiras dos 450 anos de seu nascimento, torna-se inescapável atestar que William Shakespeare marcou, pela grandeza inexcedível de sua criação imortal, um encontro sem fim com todas as posteridades. Existirá enquanto houver tempo e espaço. É espécime raro, único, absoluta e impermeavelmente genial, que saiu da vida para viver no (uni)verso.