quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Médico, diplomata e escritor, Fabio de Sousa Coutinho


 


 
Na janela
do palácio arruinado,
rosto.
- Drago Stambuk


        Para os leitores familiarizados com as biografias de nossos grandes escritores, o título deste artigo remete, automaticamente, ao colossal João Guimarães Rosa. Nascido em Cordisburgo, o autor de Corpo de Baile de lá saiu para cursar Medicina em Belo Horizonte; depois de formado, tornou-se médico da Força Pública de Minas Gerais, e, vitorioso em concurso direto, ingressou no Itamarati, em 1934.
        Em paralelo às carreiras médica e diplomática, Rosa já desenvolvia a de escritor: em 1936, aos 28 anos, ganhou o prêmio da Academia Brasileira de Letras com o volume de poesias Magma, até hoje inédito. No ano seguinte, escreve os contos de Sagarana e obtém segundo lugar no prêmio Humberto de Campos, da Livraria José Olympio. A partir daí, uma trajetória de consagração literária, culminando com a publicação, em maio de 1956, do extraordinário, inigualável Grande Sertão: Veredas.
         Muito longe de nossas plagas, na milenar e fascinante Croácia, um médico de formação e diplomata de carreira veio, por igual, a despontar nas letras, mais especificamente como um dos principais poetas de seu país. Refiro-me a Drago Stambuk, cujo livro Céu no Poço foi lançado, no ano passado, em caprichada edição bilíngue, pela editora da PUC do Rio Grande do Sul. Desde 2011, Drago é o Embaixador de sua terra no Brasil (simultaneamente ao exercício das mesmas funções na Colômbia e na Venezuela).
Prefaciada pelo crítico e professor gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, Céu no Poço é obra que contempla, entre outros temas, o forte impacto que a cultura e os costumes brasileiros causaram no diplomata e poeta que aqui aportara em missão oficial.
Com efeito, no virtuoso poema intitulado Rio de Janeiro, o vate croata evidencia a solidez de sua maturidade artística, proclamando, em arguta observação:

Crescimento ou decadência,
canto ou grito. 
Umidade ou dispneia,
melancolia ou preguiça.
Fermentação mineral
parada no esforço da podridão.

Coberta verde carnuda para as batalhas concluídas
e paisagens torturadas.

Cidades são tuas, terra do Cruzeiro do Sul,
como uma planta que sobrevive e cresce,

apesar de tudo, nos deslizamentos da terra íngrime;
com o regar – mas também sem ele.

 

Mestre do haikai, o Autor dedica parte significativa de seu livro brasileiro à clássica forma do terceto, elevada à sua mais conhecida potência pelo nipônico Matsuo Bashô (1644-1694). Como apontado com precisão cirúrgica por Assis Brasil, no elegante prefácio, o poema em três linhas de Stambuk é, porém, autônomo em relação a modelos, oferecendo, invariavelmente, um segundo verso de natureza substancial, a exemplo do que ocorre no precioso

Nascido em 20 de setembro.
Poeta,
no tempo da colheita.

Ou no premonitório

Quando os mesquinhos
partirem,
os completos chegarão.

E, também, filosoficamente,

Segundo a imagem de Deus
foi criado. Ovo fresco,
sujo de excremento.

Médico, diplomata e poeta, a presença, entre nós, de Drago Stambuk, inda que temporária, constitui privilégio intelectual a ser usufruído ao extremo, louvando-se, com estrépito, a iniciativa da ediPUCRS de editar, em tradução da língua croata, o arrebatador Céu no Poço.

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