terça-feira, 16 de junho de 2020

Balada das horas, poema RCF





Não leu todos os livros,
nem considera a carne triste.
O corpo tem três desertos:
a areia dos sonhos desfeitos,
as pedras que machucam a vontade,
e o silêncio dos barulhos mecânicos.

O exótico pássaro do medo
procria deformidades
como máquinas defeituosas.
Sobreviverá a seus escombros,
nenhuma catástrofe é maior
que acordar a beleza.
Cansou de ser seu vizinho,
precisa se cercar dos outros
para não ser um terreno baldio,
sair do condomínio das tristezas
que se reúnem para votar em branco.

O conta-gotas das lágrimas
serve como poço
que nunca enche, nem esvazia.
É eternamente dor constante
como relógio que dê sempre
a hora inexistente, a hora zero,
a hora morta, a hora desfeita.


(do livro Memória dos porcos. Rio: 7Letras, 2012)




(foto: vivan mayer)

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