quinta-feira, 23 de julho de 2020

A natureza das coisas, poema de A máquina das mãos





Eu não aprendo a natureza.
Pergunto uma e outra vez seus nomes,
e, na chamada, não me respondem.
Sorriem com seus dentes fluidos e roxos,
e desejam a ausência do verde
que tudo iguala e nada revela.
Queria sabatinar as árvores,
mas elas se queixam de solicitude.
Queria dizer meu Deus às plantas,
embora o silêncio enraizado
e o berro contido das raízes
se emaranhem na minha pobre cabeça.
Entre um arbusto e outro,
há um código morse de olfatos
que não consigo decifrar –
a natureza me telegrafa um passado de cercas,
buganvílias desavisadas, quaresmeiras duras,
pensei que havia motivo para me preocupar
com a grama, que é uma planta capacho,
uma forma de a natureza subjugar-se
ou, tresloucada,
arregaçar os cabelos altos
na insanidade dos enterrados vivos
mostrar os cabelos dos mortos,
como um cemitério de cabeça.




( do livro A máquina das mãos, 2009)
 
imagem retirada da internet: magritte

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