sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Comigo me desavim, Sá de Miranda



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Cantiga


Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
Não posso aturar comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor da gente fugia
Antes que esta assim crescesse;
Agora já fugiria
De mim se de mim pudesse.
Que meio espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo
Se trago a mim comigo
Tamanho imigo de mim?






Francisco de Sá de Miranda (Coimbra, 28 de agosto de 1481  Amares, 15 de março de 1558 (76 anos)) foi um poeta português, introdutor do soneto e do Dolce Stil Nuovo na nossa língua.
Francisco de Sá de Miranda nasceu em Coimbra: possivelmente em 28 de Agosto de 1481 (data em que D. João II subiu ao trono, dizem os biógrafos). Outros autores apontam para a data de "27 de Outubro de 1495". Meio-irmão de Mem de Sá, era filho de Gonçalo Mendes de Sá, cónego da Sé de Coimbra e de Inês de Melo, solteira, nobre, e neto paterno de João Gonçalves de Crescente, cavaleiro fidalgo da Casa Real, e de sua mulher Filipa de Sá que viveram em São Salvador do Campo em (Barcelos) e em Coimbra, no episcopado de D. João Galvão.
Nada se sabe da vida de Sá de Miranda nos seus primeiros anos. Meras hipóteses, mais ou menos aceitáveis, indicam-nos o caminho que seguira, desde o seu berço em Coimbra até à Universidade em Lisboa. Foi nas Escolas Gerais que Sá de Miranda conheceu Bernardim Ribeiro, com quem criou estreitas relações de amizade, lealmente mantidas e fortalecidas na cultura literária, nos serões poéticos do paço real da Ribeira, na intimidade, em confidências e na comunhão de alegrias e dissabores.
Estudou Gramática, Retórica e Humanidades na Escola de Santa Cruz. Frequentou depois a Universidade, ao tempo estabelecida em Lisboa, onde fez o curso de Leis alcançando o grau de doutor em Direito, passando de aluno aplicado a professor considerado e frequentando a Corte até 1521, datando-se de então a sua amizade com Bernardim Ribeiro, para o Paço, compôs cantigas, vilancetes e esparsas, ao gosto dos poetas do século XV. (Wikipedia)




Do blog Alguma Poesia:
Contemporâneo de Camões (1524?-1580), o poeta Francisco de Sá de Miranda (1481-1558) é, depois do bardo de "Os Lusíadas", o autor português mais lido do século XVI. 
Sua trova "Comigo me Desavim" é uma pequena obra prima. Antecipa, em poesia, questões que até hoje parecem estranhas ao senso comum. Nada soa mais desafinado do que alguém revelar que está de mal consigo mesmo. Ou seja, "eu é um outro", como disse Arthur Rimbaud (1854-1891), 300 anos depois. Sá de Miranda já sabia.

Afora o pioneirismo da idéia, não é possível deixar de notar a música no trovar desse bardo quinhentista. Os versos fluem, e Miranda trabalha com a malícia das palavras. Paralelismos: "Não posso viver comigo / Nem posso fugir de mim". Observe-se, também, nos dois versos finais, a riqueza da aproximação entre as palavras "comigo" e "imigo".

Comigo, claro, é com+migo (eu). Imigo, forma sincopada de inimigo, soa como se fosse in+migo. Quer dizer, o inimigo está dentro de mim. Genial. (Augusto de Campos faz esta observação sobre a palavra "imigo" em seu livro O Anticrítico, Cia. das Letras, 1986.) 

Outro poema muito conhecido de Sá de Miranda é o soneto "O sol é grande". Nele, o poeta discorre sobre a mutabilidade das coisas ("Ó cousas todas vãs, todas mudaves"). O tema é o mesmo cantado por Camões em seu soneto "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades".
  Carlos Machado


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