quarta-feira, 14 de abril de 2021

O caminho problemático, poema RCF





o Guesa teme a estação dos mausoléus
– sem dia, sem noite –
que sai da caixa adubada
do ar condicionado
e anda no chão
de seca contínua
a enorme relva
aparada de granito

estranha a areia movediça
das escadas rolantes
o tapete
           mágico
feito de ferro, o mundo
          fantástico
das coisas que se movem
sem sair do lugar

vê as casas de vidro
das lojas e pensa
                          na cidade liliputiana
de Amsterdam
as prostitutas na vitrine das casas
manequins humanos
museu de cera vivo
                       ó mundo plástico da matéria

o Guesa percorre
os labirintos de vidro

vê desmaiarem-se
                 as falésias
das prateleiras
feitas
                da tabatinga das caixas

o bazar persa abole a lei da física

dois corpos
podem ocupar o mesmo espaço:
o da realidade
e o corpo do desejo

as máquinas
                cospem
latas de refrigerantes
                bichos
descomendo alumínio

as praças não são circulares
e os círculos contêm arestas

o Guesa
que conheceu as alturas dos Andes
o inferno de Wall Street, engenheiro
de minas, comedor de pedras da Quinta
da Vitória, nunca tinha visto
                                   o ambulatório
das almas fosforescentes

o Guesa errante
lê o grande livro
de vidro
os delírios das vírgulas
no globo de vidrilhos

o inferno
não é mau, diz o Guesa,
mas apenas
                  um caminho problemático

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