quarta-feira, 17 de maio de 2017

Contos da palma da mão, de Yasunari Kawabata

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O viúvo Komiya convoca uma vez ao ano as amigas de colégio da mulher falecida para que acompanhem o desabrochar de apenas algumas horas das flores do mandacaru. As convidadas chegam à casa de Komiya e trazem uma nova amiga, solteira, que nunca visitara a casa. A jovem e arisca filha do viúvo recolhe-se e toca violino no andar de cima. A amiga solteira da mulher falecida de Komiya observa que a menina toca violino na varanda de cima de costas para o mar. O conto é leve, evocativo, de sensualidade tão volátil quanto queimar de incenso.
Belíssimo. Mas muitas das outras narrativas não trazem a densidade humana desse conto, que é um dos últimos da coletânea Contos da palma da mão, de Yasunari Kawabata. As 122 narrativas que constam de Contos da palma da mão (Estação Liberdade), que levam esse nome por sua brevidade, abrangem o período criativo de 1923 a 1964. Os contos dos anos vinte e trinta, embora Kawabata tivesse informação da literatura ocidental, estão mais presos à tradição. Os contos da maturidade têm mais complexidade, são um pouco mais extensos, aprofundam-se nas relações humanas, mas ainda continuam presos à tradição.
Yasunari Kawabata, o primeiro escritor japonês a ganhar o Prêmio Nobel, em 1968, nasceu em 1899. Perde precocemente seus parentes mais próximos. Mais tarde, forma-se em literatura pela Universidade Imperial de Tóquio, em 1920. Os críticos falam sempre de sua participação na renovação da literatura japonesa com o movimento do “Neoperceptionists” (shinkankakuha) ou, na tradução que lhe dão correntemente em português, “neo-sensacionistas”. Seus oponentes eram os escritores engajados de cunho social. É um dos fundadores da revista Bungei Jidai, influenciada pela vanguarda européia. Sua fama cresce a partir do romance A dançarina de Izu (1926; outros datam 1927). Em 1956, publica um dos seus romances mais famosos: O som da montanha. Em 1972, Kawataba se suicida.
Ninguém nega a genialidade do romancista Kawabata. Ainda estão frescas na memória dos leitores duas narrativas lançadas recentemente: A casa das belas adormecidas e Beleza e tristeza, o primeiro livro publicado pela editora Estação Liberdade, e, o segundo, pela Editora Globo. O próprio Kawabata confessou que os contos foram escritos no início como exercícios de escrita e, mais tarde, como prática entre o repouso inquieto da escritura entre dois romances. Kawabata resume o que representam esses contos: “Entre eles há algumas peças não muito razoavelmente fabricadas, mas há algumas boas, que jorraram de minha pluma naturalmente.”
Nos contos iniciais alguns elementos se repetem como as termas, o erotismo pulsante e reprimido, diálogos rudes e/ou ingênuos, a natureza sempre presente até mesmo na maturidade, as descrições obsessivas da pele branca e lisa. Os desencontros amorosos são comuns às duas épocas, assim com os finais ingênuos, abruptos ou indefinidos. Já foi observado que muitos contos de Kawabata dão-nos a impressão de inacabados ou mal resolvidos. Eu diria que se parecem – e aí a confissão de que foram escritos entre a feitura de romances vale muito – a exercícios de escritura ou a belos fragmentos de romance. Por isso a necessidade de um final que nos surpreenda ou reverta a expectativa não nos é apresentada.
A violência pertence à natureza humana. Está certo que a literatura americana apresenta violência explícita muito mais evidente do que aparece nas outras literaturas. Mas nos contos de Kawabata se observa também que, por trás da famosa e propalada delicadeza da literatura oriental, existe violência surda, abafada, internalizada. Se há compaixão e delicadeza entre os casais, há separações, dor e morte. Algo é curioso: muitos contos tratam das relações entre irmãos. Como o passar dos anos, como dissemos, cresce o nível de complexidade e densidade psicológica dos personagens, e são acrescentados elementos modernos como o teatro, as dançarinas, a noite de Tóquio. Tudo isso, contudo, não elimina o clima tradicional nem o modo de contar. O narrador continua a ser claro e ingênuo e, mesmo em situações ditas modernas, perdura algo do clima da tradição.


imagem retirada da internet

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