segunda-feira, 25 de setembro de 2017

De repente, nas profundezas do bosque, Amós Oz

A FÁBULA COMO ARMA




Num mundo de hoje, ainda cabe fábula para adulto. Em De repente, nas profundezas do bosque, do escritor israelense Amós Oz (1939-), percebe-se, pela linguagem, que o pequeno livro mostra um autor preocupado com a forma. O que distingue logo esta fábula de outras para crianças é a escritura. O livro não faz concessões à linguagem tatibitate de outros livros infantis.
Escrito de forma vigorosa, em que palavras se repetem de maneira variada em frases longas, Oz trabalha tanto com o imaginário infantil quanto com o imaginário adulto. Talvez fosse melhor dizer que opera com o mesmo imaginário ancestral e arquetípico. E as preocupações do autor, oriundo de uma zona em permanente conflito como é o Oriente Médio, não podem se dar ao luxo de não serem interpretadas como discussão sobre o problema palestino.
De repente, nas profundezas do bosque conta a história do desaparecimento de todos os bichos da aldeia: cachorros, gatos, pássaros, cobras, lagartos, bichos rastejantes, bichos voadores, bichos domésticos, bichos de cria, bichos da água, tudo havia desaparecido. Os bichos foram levados por aquele que as pessoas da aldeia acreditavam fosse o demônio das montanhas: Nihi.
Ninguém mostrava às crianças que eles um dia pudessem ter existido. As crianças supunham que o mundo era composto apenas de seres humanos e que as possíveis histórias de bichos eram invenção de uns poucos adultos perturbados da cabeça. Alguns, como a professora Emanuela, que contava histórias sobre como latiam os cachorros, eram motivo de chacota e desprezo. Os adultos, quando inquiridos pelas crianças, tratavam do desaparecimento dos animais como tabu. Desconversavam, negavam, não queriam falar sobre o assunto.
Mas, dois personagens infantis, Maia e Mati, adentram o bosque vizinho, e lá descobrem que os animais foram seqüestrados por Nihi, que não passa de um menino que resgatou os animais contra a fúria e a zombaria dos adultos. De repente, nas profundezas do bosque é uma fábula contra o preconceito e a intolerância. O alvo maior é o entendimento e a aceitação do Outro. A passagem em que as metáforas perdem sua força e dão lugar às explicações para o significado da fábula talvez seja o momento do livro menos forte, já que a fábula significaria por si mesma, sem necessidade de uma “moral” ao fim do livro.
Amós Oz, que declarou ter tido a ajuda dos netos ao contar-lhe a fábula antes de escrevê-la, é um escritor israelense que luta por uma solução pacífica ao problema palestino. Uma solução, como ele mesmo declarou numa entrevista, “de fundo chekhoviana para o conflito, antes que uma solução shakesperiana, pois nas tragédias de Shakespeare quase todos morrem, enquanto nas tragédias de Chekhov, todos acabam desapontados, desiludidos, mas vivos”.
Autor de literatura para adultos, talvez o principal escritor israelense vivo, traduzido para trinta idiomas, com dezoito livros escritos, Amós Oz é o co-fundador do movimento pacifista Peace Now. Esse escritor que também é professor da Universidade Ben Gurion, morando em Arad, no deserto de Negev, já chegou a dizer, num dos seus livros (De amor e trevas), que, quando criança, tinha medo de ficar adulto, pois para ele ficar adulto representava a morte. Com todo esse passado e toda essa moldura política, Amós Oz não precisava explicar suas metáforas, já por si significativas. Lewis Carroll, por exemplo, autor de dois públicos, o infantil e o adulto, não fez concessão nem à inteligência das crianças nem à argúcia dos leitores adultos.
Por fim, há uma clara divisão entre o reino animal e os humanos. As pessoas, sem os animais, se tornam tristes e desoladas e negam a existência deles para as gerações posteriores. Apesar de tudo, persiste uma lembrança de um reino de complementariedade: os animais como parte de um complexo maior que é a vida. Lida como fábula ecológica – o que não exclui a leitura política –, De repente, nas profundezas do bosque é a metáfora maior do reino animal do qual o homem é somente mais um elemento. Logo, excluir os animais é correr o risco da extinção do próprio homem.

 
imagem retirada da internet: amós oz

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